Atrás Do Sótão
Um dia subi ao sótão
e vi o que havia sobre ele
Eu encontrei o céu
E descobri que sempre
me contentava
Em ficar no sótão
O sótão era escuro e
frio
Mas já tinha me
acostumado com ele
O sótão tinha um
cheiro de dor
Dor que já era tanta
que nem sentia
O sótão me envolvia
Naquilo que já estava
acostumada
O sótão me envolvia
Na solidão
companheira
O sótão me envolvia
No silêncio eterno
O sótão não sorria
pra mim
E nem eu a ele
O sótão era um amigo
Que nunca deixava eu
olhar atrás dele
E ali me contentei
E ali fiquei por
vários invernos
Por várias estações
Até que um dia
Pela fresta da janela
Eu vi a primavera
Eu senti o aroma da
primavera
Até que um dia
Eu resolvi olhar pela
fresta
E vi uma cor
desconhecida
Naquele dia minhas
mãos pequeninas
Resolveram ajudar a
fresta
E eu arredei a telha
Que já velha tinha um
lodo
Um lodo que deixava
cheiro de passado
Naquele momento eu me
ceguei
Era muita luz para
meus olhos
Era muito azul para
conhecer
Foi naquele dia
Que eu vi o que tinha
atrás do sótão
Foi aquele dia que
não descobri dias perdidos
Mas descobri dias
para se viver
Foi naquela primavera
de sol radiante
Que eu vi o céu sem
nuvem alguma
Que eu olhei em volta
e vi ipês floridos
Foi naquela primavera
que eu vi o presente
Presente que todos os
dias estiveram ali
E que eu sempre
preferi
Estar debaixo dele
E não ir além dele
Foi naquele dia que
tirei todas as telhas
Foi naquele dia que
joguei fora
Joguei fora as flores
secas guardadas
Por que não geravam
frutos
E razão de guardá-las
não mais existia
Foi naquele dia que
joguei fora
Joguei fora os
suspiros passados
Por que já os havia
respirado
E a razão do ar é se
renovar
Foi ali que joguei
fora
Joguei fora o espelho
Por que aquela imagem
Para mim não refletia
Eu tinha diante de
mim
Uma nova imagem
Cheia de vida e azul
Que eu antes
agradecia por ser cinza e fria
Mas o frio e cinza
Já estão na hora de
ir embora
Por que já está na
hora
De ver o sol
De ver o sol nascer
E aproveitar os
minutos para sorrir
De ver o sol se por
E ver que empresta
brilho a lua
E que as estrelas
unidas
Ajudam a encantar a
noite
Quanta coisa o sótão
escondia
Ele escondia a noite
Ele escondia o dia
Quanta coisa o sótão
escondia
Ele escondia as cores
Ele escondia amores
E foi por alguns
minutos
Que além do cheiro
Eu escutei o som
E som era doce
E cantava compassado
E sem palavras como o
silêncio do sótão
Cantava músicas
sentidas
Sentidas de doce som
Som que me alegrava
Som que cantarolava
Som que se misturava
Em asas brincando no
céu
O sótão é agora um
amigo distante
Por que o hoje não é
como antes
Que eu apenas o
escutava
Que eu apenas olhava
A fresta foi minha
amiga
Assim como a
primavera que fez tudo para senti-la
Assim como o segundo
me fazia dançar
Nem sempre o que se
tem
É seu eterno bem
Nem sempre o que está
ao redor
Lhe dá forças
Às vezes é bom olhar
Olhar em volta
Por que algo sempre
está por acontecer
Às vezes a telha já
tinha se gastado
E o lodo queria
deixar de sê-lo para florescer
Eu peguei as telhas
E como no chão ainda
havia cimento
Peguei a colher e
cavei um pouco
E percebi que não
havia terra
Foi ai que usei as
telhas e fiz um cercado
Sai para fora de casa
e procurei a terra
Sai para fora de casa
e encontrei margaridas
As plantei e reguei
Na primeira tarde vi
e senti
O cheiro da tarde
findada
O cheiro da noite
enluarada
O cheiro que passou e
não lembrei
Foi ai que troquei as
roupas antigas
Que deixei as flores
serem amigas
E teci meu arco de
sol
Foi ai que parei de
usar sapatos
E com os pés no chão
procurei terra
Que mesmo fincados
Eu os deixava voar
Por que ser sonhador
não custa nada
Custosa é a vida sem
sonhos
Foi ai que tomei o
pingo da doce loucura
E não tive medo
daqueles que sempre me viam
Me viam dentro do
sótão
Foi ai que me
importei com a primavera
Não com quem apontava
o sótão
Foi ai que tive o
doce delírio
De ficar minutos ou
horas
Vendo o céu mudar de
cor
Do azul para o negro
Mas um negro que
brilhava
Amigo mal era o sótão
pra mim
Nunca me falou do que
estava além
Amiga egoísta eu fui
De não ter ajudado o
sótão
A buscar o que estava
além
Amiga bondosa eu fui
De ter aproveitado do
sótão
As telhas lodosas
como adubo
Para florescer e
perfumar o céu
Amiga verdadeira eu
fui
De ter trazido pro
sótão
O silêncio sem
palavras
Dos pássaros
cantantes
Que amiga foi a
fresta
De ter colocado
diante de mim
A luz.
Fátima Mazera
24/05/2013 às 21:40
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