quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

G801



Atrás Do Sótão

Um dia subi ao sótão e vi o que havia sobre ele
Eu encontrei o céu
E descobri que sempre me contentava
Em ficar no sótão
O sótão era escuro e frio
Mas já tinha me acostumado com ele
O sótão tinha um cheiro de dor
Dor que já era tanta que nem sentia
O sótão me envolvia
Naquilo que já estava acostumada
O sótão me envolvia
Na solidão companheira
O sótão me envolvia
No silêncio eterno
O sótão não sorria pra mim
E nem eu a ele
O sótão era um amigo
Que nunca deixava eu olhar atrás dele
E ali me contentei
E ali fiquei por vários invernos
Por várias estações
Até que um dia
Pela fresta da janela
Eu vi a primavera
Eu senti o aroma da primavera
Até que um dia
Eu resolvi olhar pela fresta
E vi uma cor desconhecida
Naquele dia minhas mãos pequeninas
Resolveram ajudar a fresta
E eu arredei a telha
Que já velha tinha um lodo
Um lodo que deixava cheiro de passado
Naquele momento eu me ceguei
Era muita luz para meus olhos
Era muito azul para conhecer
Foi naquele dia
Que eu vi o que tinha atrás do sótão
Foi aquele dia que não descobri dias perdidos
Mas descobri dias para se viver
Foi naquela primavera de sol radiante
Que eu vi o céu sem nuvem alguma
Que eu olhei em volta e vi ipês floridos
Foi naquela primavera que eu vi o presente
Presente que todos os dias estiveram ali
E que eu sempre preferi
Estar debaixo dele
E não ir além dele
Foi naquele dia que tirei todas as telhas
Foi naquele dia que joguei fora
Joguei fora as flores secas guardadas
Por que não geravam frutos
E razão de guardá-las não mais existia
Foi naquele dia que joguei fora
Joguei fora os suspiros passados
Por que já os havia respirado
E a razão do ar é se renovar
Foi ali que joguei fora
Joguei fora o espelho
Por que aquela imagem
Para mim não refletia
Eu tinha diante de mim
Uma nova imagem
Cheia de vida e azul
Que eu antes agradecia por ser cinza e fria
Mas o frio e cinza
Já estão na hora de ir embora
Por que já está na hora
De ver o sol
De ver o sol nascer
E aproveitar os minutos para sorrir
De ver o sol se por
E ver que empresta brilho a lua
E que as estrelas unidas
Ajudam a encantar a noite
Quanta coisa o sótão escondia
Ele escondia a noite
Ele escondia o dia
Quanta coisa o sótão escondia
Ele escondia as cores
Ele escondia amores
E foi por alguns minutos
Que além do cheiro
Eu escutei o som
E som era doce
E cantava compassado
E sem palavras como o silêncio do sótão
Cantava músicas sentidas
Sentidas de doce som
Som que me alegrava
Som que cantarolava
Som que se misturava
Em asas brincando no céu
O sótão é agora um amigo distante
Por que o hoje não é como antes
Que eu apenas o escutava
Que eu apenas olhava
A fresta foi minha amiga
Assim como a primavera que  fez tudo para senti-la
Assim como o segundo me fazia dançar
Nem sempre o que se tem
É seu eterno bem
Nem sempre o que está ao redor
Lhe dá forças
Às vezes é bom olhar
Olhar em volta
Por que algo sempre está por acontecer
Às vezes a telha já tinha se gastado
E o lodo queria deixar de sê-lo para florescer
Eu peguei as telhas
E como no chão ainda havia cimento
Peguei a colher e cavei um pouco
E percebi que não havia terra
Foi ai que usei as telhas e fiz um cercado
Sai para fora de casa e procurei a terra
Sai para fora de casa e encontrei margaridas
As plantei e reguei
Na primeira tarde vi e senti
O cheiro da tarde findada
O cheiro da noite enluarada
O cheiro que passou e não lembrei
Foi ai que troquei as roupas antigas
Que deixei as flores serem amigas
E teci meu arco de sol
Foi ai que parei de usar sapatos
E com os pés no chão procurei terra
Que mesmo fincados
Eu os deixava voar
Por que ser sonhador não custa nada
Custosa é a vida sem sonhos
Foi ai que tomei o pingo da doce loucura
E não tive medo daqueles que sempre me viam
Me viam dentro do sótão
Foi ai que me importei com a primavera
Não com quem apontava o sótão
Foi ai que tive o doce delírio
De ficar minutos ou horas
Vendo o céu mudar de cor
Do azul para o negro
Mas um negro que brilhava
Amigo mal era o sótão pra mim
Nunca me falou do que estava além
Amiga egoísta eu fui
De não ter ajudado o sótão
A buscar o que estava além
Amiga bondosa eu fui
De ter aproveitado do sótão
As telhas lodosas como adubo
Para florescer e perfumar o céu
Amiga verdadeira eu fui
De ter trazido pro sótão
O silêncio sem palavras
Dos pássaros cantantes
Que amiga foi a fresta
De ter colocado diante de mim
A luz.

Fátima Mazera
24/05/2013 às 21:40

Nenhum comentário:

Postar um comentário